O que é um Embromance?

Mais do que a simples análise e interpretação de suas palavras, o leitor, ao ler um texto, aprecia a sua métrica e, ao meu ver, principalmente, a sua sonoridade.
Toda palavra, além de um significado, possui uma forma e fonética, que auxilia a transmitir o grau de austeridade ou informalidade do que se quer comunicar.
Partindo-se destes pressupostos, os Embromances buscam exaltar a forma e a sonoridade em suas expressões, em detrimento completo de sua lógica ou real significado.
Cabe a eles embalar o leitor em uma atmosfera superficial de eruditismo e exaltação emotiva, sem que contudo coliguem-se as informações contidas em cada real significado das frases.
Menos vale o "ser" do que o "parecer ser".
Mais vale o símbolo do que o significado.
Não há como entendê-los sem experimentá-los.
Embarquem nesta experiência e apreciem.

domingo, 28 de junho de 2009

Crepúsculo

Chegou em casa cansado, naquele dia, e tomou uma resolução. Iria se aposentar ali mesmo. Não havia nada que não tivesse visto ou ouvido em todos os seus anos de trabalho. “Devemos saber a hora de parar enquanto nos resta ainda um pouco de dignidade”. Não seria tão insólito assim, não tivesse ele seus trinta e seis anos, ainda incompletos. Pegou uma jaqueta antiga, vestiu um pullover, agasalhou-se bem, sentou-se em sua velha poltrona e ali ficou. Impávido, ao assistir o noticiário. Desligou a tv e deitou-se inesperadamente cedo, pois não julgou ser mais hora de se permanecer acordado. E para espanto de todos os que o conheciam, na família e no trabalho, levou a idéia a sério e adiante. Comprou um par de luvas de lã e um cachecol. Selou todas as suas janelas de casa, como quem sela um túmulo, prestes a ser embalsamado. E com cortinas grossas, um tanto bolorentas, retirou a claridade de seus cômodos, iluminados agora, apenas por uma luz fraca e amarelada. Vendeu a tv e passou a usar um antigo rádio, que fôra de seu tio Ernesto. Lhe faziam companhia uma caneca quente,“um bom livro” e umas palavras cruzadas.E para aqueles que ainda ousavam tentar removê-lo de tal investidura, tombava-os um a um com argumentos irrefutáveis. “É melhor partir quando tem-se ainda os amigos vivos, do que vê-los esvaindo-se, um após o outro”, costumava dizer. E, passada a perplexidade inicial, foi convencendo um a um, até acomodar-se. Já era comum receber meias de lã no Natal, uma boina de feltro ou um suéter bordado. Em dias de tédio absoluto, quando poderia-se julgar que algo nele pudesse almejar uma volta à sua juventude, esmagava o seu ócio jogando damas na praça, desafiando rivais idosos sem piedade. Sem contar as vezes em que se rebelava, dando trabalho à acompanhante em remover toda a banana amassada, que esparramava nos chãos de taco ou, pior, no carpete mofado. Era o máximo de emoção ao qual se dispunha. E acomodou-se tanto àquela situação, que seu próprio físico convenceu-se. Teve reumatismo e artrose. E foi definhando, as pernas pesadas, o andar encurvado, mais tarde com o auxílio da inseparável bengala, que – dizia - lhe trazia charme e uma certa dignidade. No fim da vida, saía de casa apenas para a missa, aos domingos. Mas a saúde não aguentou. E um certo dia foi-se deste mundo, como um passarinho. Morreu dormindo, e, segundo seu geriatra, morreu de velhice. “Um dia todos partiremos. E, se Deus quiser, que nem ele”- confessou o doutor aos parentes, enxugando as lágrimas. Seu funeral foi belíssimo, cercado de amigos vivos e avôs e avós que lhe olhavam com uma gota de inveja. Afinal, jazia ali, com um leve sorriso nos lábios, alguém que soubera viver a sua vida até o fim. E com serenidade.

Um comentário:

  1. A morte súbita deste "idoso" nos choca de forma irreparável. Doloroso ver sua vida se esvaindo. Abç

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