O que é um Embromance?

Mais do que a simples análise e interpretação de suas palavras, o leitor, ao ler um texto, aprecia a sua métrica e, ao meu ver, principalmente, a sua sonoridade.
Toda palavra, além de um significado, possui uma forma e fonética, que auxilia a transmitir o grau de austeridade ou informalidade do que se quer comunicar.
Partindo-se destes pressupostos, os Embromances buscam exaltar a forma e a sonoridade em suas expressões, em detrimento completo de sua lógica ou real significado.
Cabe a eles embalar o leitor em uma atmosfera superficial de eruditismo e exaltação emotiva, sem que contudo coliguem-se as informações contidas em cada real significado das frases.
Menos vale o "ser" do que o "parecer ser".
Mais vale o símbolo do que o significado.
Não há como entendê-los sem experimentá-los.
Embarquem nesta experiência e apreciem.

domingo, 19 de julho de 2009

Jornada

Havia passado por muitas angústias nos últimos dias. O ritmo da cidade grande, para onde migrara em busca de movimento era , para ele, um tanto frenético e ensurdecedor. Costumava sentir agora contínuas saudades dos tempos de outrora, das tardes ensolaradas, do vento seco e cortante e do pouco que ainda lembrava de sua juventude. A vida foi-lhe enredando em contínuos turnos de exaustivas tarefas mal-remuneradas. Sobreviver ao escárnio do retorno era agora deveras mais importante do que as constantes humilhações a que se submetera. Cada dia e cada noite eram rasgados sem piedade em sua folha de calendário. “Por hoje e mais um tempo, eu vivi”, pensava resignado. Aos domingos, de sua janela, que já não mais abria, assistia entre o vidro empoeirado, resquícios de vidas que passavam em transeuntes agitados. Uma criança a correr apressada desembrulhando um bolo que a mãe lhe comprara, cães a farejar comida no crepúsculo de vidas confinadas. Começar de novo o dia seguinte, o despertar quase ainda no clarear da alvorada. Coletivos lotados, a chuva insistindo em molhar as barras da calça puída e desbotada. Pegou no armário o bilhete escrito por ela, agora um tanto empoeirado. Preservadas em papel-de-seda, ressurgiam, agora, as últimas palavras que ela lhe deixara. “Se voltar, não me esqueças, sua doce Judite.” E pude imaginá-la a correr para o estoque do armarinho, buscando artefatos de costura para as senhoras que, no balcão lotado, resfolegavam. Naqueles doces lábios, um dia conheci de perto um mundo mais vivo e menos solitário. O cabelo arrumado com fitas e as saias de xita que sua mãe lhe costurava. Com vincos, transpassada e com flores bordadas. O adeus na estação, as mãos apertadas, o choro contido e a voz embargada. Por onde será que ela hoje andava? Quinze anos se passaram como um lobo solitário que devora as horas e as datas no meu calendário.Nesses anos tortos, mais que perdas e desencantos , meu sopro de vida esvaiu-se em minguados trocados. A japona posta, sigo meu itinerário. O vento lá fora era hoje insuportável. As grossas gotas de chuva tocam minha face como um bálsamo dos beijos de Judite, hoje ressecados.Em minha boca semi-aberta, trazem de volta o frescor dos momentos que vivi naquela chácara. Passo assobiando por vultos que me olham com olhar assustado.Como um louco encharcado, insisto em meus passos trôpegos, a seguir desgovernados. E num gesto isolado, ao perder o equilíbrio, seguro firme dois braços, que surgem, protegendo-se, amedrontados. Vejo um rosto, entreolhar-me sofrido , sem proferir nenhum brado. Tasco-lhe um beijo, tosco, comprimido, em lábios outrora hesitantes e agora desesperados. Era o padeiro, ensopado e enfurecido, que persegue-me então, descontrolado. Meu coração bate forte, o pulmão ofegante, mas a alma, refeita do beijo, curada. Nem tudo nesta cidade são flores, mas um pouco de amparo adoça a jornada.

Um comentário:

  1. Excelente fonética com um toque doce de liberdade literária. Algo tão difícil nos dias de hoje onde só temos as verdades e a razão acima de tudo. Isso sim é um verdadeito clássico. Os amores perdidos sem porquês, os passantes desconhecidos sem lógica. Os detalhes minunciosos inéxplicáveis. Bom de ler, bom de ouvir.Fantástico professor Hermínio. Simplesmente fantástico. Dady

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